quinta-feira, 12 de julho de 2018

O desafio do 3D em Colônia Horror

Por Felipe Gaze

O diretor e animador de Procurando Nemo Andrew Stanton disse, no documentário Making Nemo, que na tentativa da equipe de animadores em criar um resultado realista, uma animação que convencesse o público que aquilo se passava no fundo de um oceano, acabou por ir além do ponto criando um produto “real demais”. Dizia ele, “queremos que você acredite que isso existe, mas que também pareça um mundo de faz de conta".
Guardada as devidas proporções, o desafio que Procurando Nemo tinha em equilibrar uma animação autêntica, realista, mas sem deixar de lembrar ao público que ali estava um universo de fantasia, é o mesmo que enfrentamos no uso do 3D em Colônia Horror e, talvez, em qualquer filme animado, seja a técnica que for.
De semelhança com o filme de Stanton, Colônia Horror tem muita água para ser animada, algo inevitável quando lembramos que a trama faz menção direta à expedição secreta do Capitão Duarte Pacheco Pereira, que em 1498 supostamente chegou a terras hoje pertencentes ao território brasileiro. De diferença tem como é pensado o uso da animação 3D. Enquanto o filme da Pixar foi todo animado nesse formato (3D), em Colônia Horror essa ferramenta é usada como um suporte à animação principal 2D. Elementos tais como o fogo, a explosão, a fumaça, o mastro da caravela que se parte, o oceano e o vaso em queda foram modelados e animados em 3D e, daí, exportados para a animação base 2D.
A opção pelo 3D passa, num primeiro momento, por uma questão técnica. Reproduzir esses elementos de cenário em um software 2D, além de muito mais trabalhoso, não chegaria a um resultado equivalente ao que se consegue com um programa desenvolvido para atender mais de perto a essas demandas. Decidimos, então, utilizar o Blender, uma escolha quase automática. Software de código aberto, gratuito e com uma interface e ferramentas que em nada devem as de outros programas pagos e mais conceituados, o Blender é cada vez mais utilizado no desenvolvimento dos games, das animações, além de aplicado profissionalmente na arquitetura e até no design industrial. Depois de um contato despretensioso, ainda há alguns anos, com o programa, Colônia Horror vem como o primeiro projeto audiovisual para valer que me dá a oportunidade de um trabalho de animador 3D.
É quando chegamos a outra questão envolvida no 3D, que é a escolha estética. Para um oceano modelado e animado no Blender, por exemplo, se consegue alcançar muito bem um movimento realista, uma sensação de profundidade e um trabalho de textura e brilho exigido a um filme de terror. O vaso pode ser rotacionado sem perder seu padrão de sombra e iluminação, e o mastro cai como se realmente tivesse uma força gravitacional o empurrando para baixo. Um software desse tipo funciona como uma maquete real, onde você posiciona um objeto modelado digitalmente num espaço tridimensional, faz uma malha, aplica uma textura, mexe com a posição da luz, define seu modelo, cor, intensidade etc.. São ferramentas que permitem dar àquele objeto da animação uma particularidade que o destaca do restante da cena, o que talvez seja uma das qualidades mais preciosa de uma boa animação, ou seja, não animar realisticamente tudo e qualquer elemento da cena ao mesmo tempo, como uma tentativa de reprodução fiel do mundo real, mas focar naquilo que você quer chamar a atenção do espectador e que se julga mais relevante à sequência.
Tem-se aqui o principal desafio do 3D em Colônia Horror, que é equacionar uma animação realística com o estilo tradicional dos cenários feitos em bitmap e a animação 2D vetorial dos personagens. Há certa tentação em produzir modelos 3D os mais realistas possíveis. São realmente bonitos, uma imagética que às vezes impressiona, além de menos exigentes do ponto de vista artístico. Mas isso não é garantia para um bom diálogo com o 2D, ao contrário, o trabalho com o Colônia Horror mostra que os melhores resultados vêm quando não se exagera nas “doses de realidade”.
Não é tão difícil encontrar e seguir um excelente tutorial (e, felizmente, eles abundam na internet) para se modelar um mar com ondas e textura muito próximas ao real, mas não é tarefa simples manter esse mar dentro dos limites da paleta de cores da cena. No 3D não basta copiar para o objeto a especificação da cor. Há todo um trabalho, como já mencionado, de se ponderar a iluminação do ambiente, da luz direta, além dos parâmetros físicos do objeto.

A experiência em animação, como o Procurando Nemo, de Andrew Stanton, mostra que dar alguns passos atrás na técnica – caso se possa colocar assim, pois surgem aí outros tipos de dificuldades, as dificuldades artísticas, certamente mais desafiadoras – será talvz a chave para se garantir a ilusão do mundo do faz de conta, um filme que ofereça mais espaço ao sentido criativo do artista e potencialize sua representação cultural.

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