quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Um roteiro com zumbis no Brasil Colônia: de Mortos de Fome a Colônia Horror

Por Felipe Gaze


O que lemos aqui no blog da primeira parte do roteiro de Colônia Horror será, na tela, algo próximo a um minuto de filme, seguindo quase uma máxima da teoria de roteiro para o cinema clássico que equipara uma página de escrita para cada minuto de filme em tela. É evidente que, por mais que essa teoria, muito bem desenvolvida por Syd Field em seu famoso livro Manual do roteiro, ainda tenha muita validade, um roteirista não deve se preocupar excessivamente com a estrutura e nem colocar seu argumento a serviço da legitimação de um conceito, por mais adequado que seja. Falas, música, uma cena de ação, outra mais cadenciada, um cenário que exija, por algum motivo, um tempo a mais na tela, enfim, são fartos os elementos que irão determinar a duração de um filme. Decisões, no final, muito mais da direção do que propriamente da roteirização.
Colônia Horror será um filme basicamente sem diálogos, e as outras cinco páginas seguintes do roteiro (são seis, no total) seguem a composição básica da primeira: uma localização temporal e espacial e uma descrição sucinta da cena, sem nenhuma indicação de trilha sonora, câmera ou duração dos planos. Não foi premeditado equilibrar o roteiro com o tempo total do filme (algo em torno de pouco mais de cinco minutos), principalmente por entender que existem variações inevitáveis quando se aproveita uma teoria pensada para longas-metragens do cinema clássico hollywoodiano a um desenho animado de curta duração. Parece óbvio – e talvez seja – mas um bom roteiro começa por uma boa história. Cabe ao roteirista colocar a estrutura narrativa a serviço da trama, e não contrário.
A ideia de se produzir uma animação de terror vem de 2011, quando Wolmyr e eu tínhamos, por título, Mortos de Fome, nome que não foi só o primeiro, mas o que acompanhou o projeto durante alguns bons anos, até, pelo menos, o começo do desenrolar da produção do filme, quando já havia se concretizado o apoio das duas leis municipais de patrocínio: Lei Chico Prego, do município de Serra, e Lei Rubem Braga de Cachoeiro de Itapemirim. O que conseguimos nos primeiros tratamentos era uma trama que acreditamos corretamente estruturada, uma história interessante, mas ainda longe do roteiro na versão final para esta animação, num processo que rendeu inúmeras versões, ideias paralelas, como uma possível História em Quadrinhos (HQ), e uma Websérie, além de uma Antologia de Contos. Esta última transposta do campo da ideia para a prática, um projeto em andamento com o patrocínio da Lei Rubem Braga de Vitória, e que em breve ganhará data de lançamento.
Desde o início nos propusemos a escrever o roteiro a quatro mãos: discutíamos a ideia, por vezes pensávamos a história sequência a sequência e nos revezávamos na escrita, individualmente. A exceção veio no último tratamento, quando fizemos uma escrita conjunta. Ou melhor, no fechamento do último tratamento, quando faltava definir alguns pontos relevantes na história.
A alteração de Mortos de Fome para Colônia Horror vai além de um novo título que se adeque melhor à trama, trata-se de uma mudança de conceitos e, consequentemente, da própria história. Em Mortos de Fome a colonização portuguesa já estava em território brasileiro havia alguns anos, e padres jesuítas eram, talvez, figuras mais centrais à narrativa do que os indígenas. A opção por não explicar a origem da “zumbificação” sugeria ser ela uma causa interna, sem relação aparente com a invasão e exploração europeia, definitivamente algo que precisávamos corrigir.
Creio que houve avanços nesses e em outros pontos com Colônia Horror, passando por inserir a história num período pré-colonial final. A protagonista agora é uma mulher socialmente desfavorecida, forte, digna mesmo diante das atrocidades às quais é vítima. Trabalhamos uma função mais central para o índio, e a zumbificação se associa diretamente à chegada dos europeus, possivelmente a mais nevrálgica das mudanças. A “doença” não nasceu aqui, ela veio de fora.
Na visão de roteirista, porém, se questionado sobre o principal ponto que acho interessante levantar, no roteiro de Colônia Horror, respondo que é o de termos chegado a um material que traduz bem a história que desejamos contar. À parte qualquer crítica, a que obra nenhuma está imune, creio conseguimos escrever a um roteiro que representa corretamente o que pensamos e repensamos ao longo desses anos, uma resposta para quem está há tempos sentindo o odor de carne decomposta e lavando as mãos com o sangue podre dos zumbis.

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