quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Arte conceitual e cores de Colônia Horror

Por Francielli Noya
Arte Conceitual de Francielli Noya.
Storyboard de Leo Rangel, a partir das indicações da arte conceitual e do roteiro decupado.
Imagem final, com cenário de Lidiane Cordeiro, já com a paleta de cores de Francielli Noya e mar em 3D de Felipe Gaze
Os estúdios, antes de começarem as gravações de qualquer filme, fazem as artes conceituais: que são ilustrações, coloridas ou não, para inspirarem a concepção de personagens e cenários. Mesmo com todo o texto pronto, é na arte conceitual que se começa a ver a cara que o filme vai ter, ainda que seja para rejeitar muitas dessas primeiras imagens. Afinal, em todo processo, alguma coisa tem que ficar para trás, principalmente, o que está lá no germe da criação.
Então como vamos começar o início? Já sabemos a história que queremos contar. Agora, com que imagens vamos contá-la? Com quais cores vamos nos comunicar?
Com essas perguntas se faz um novo tipo de pesquisa.
Tendo em mente que o gênero de Colônia Horror é um terror histórico, já tínhamos um norte. O filme deveria provocar sentimentos de tensão e pavor. Há cores para isso, e, normalmente, se utiliza uma paleta mais fria. Ah, a paleta! É o que o pintor usa para organizar as cores do seu quadro. Ele tem um número x de tinta, mas vai selecionar as que lhe interessam para cada trabalho. Assim também é com os filmes, para que tenham uma coerência em toda a sua sequência.  E quando se trata de um gênero tão específico, isso é fundamental. Então estudamos a paleta de vários filmes, principalmente de terror. Como dito, quando se quer assustar alguém, comumente, é colocado um filtro anil, acizentado, bem frio. Estamos trabalhando com animação – o que nos dá mais vantagens para manipular as cores do que num longa-metragem live action, por exemplo.
Filmes de terror tendem para cores mais frias. Check!
Analisemos, agora, uma das primeiras pinturas em aquarela, feita a partir das orientações da decupagem do roteiro: as caravelas cortando um mar acinzentado e, como pano de fundo, um por do sol carregado de nuvens. Tudo muito cinza, passando uma sensação de que algo sombrio está a caminho, como um navio fantasma. O quadro ficou bonito e cumpriu seu papel de aura de suspense e terror. Mas não é tão simples assim. Nem tudo daria para ser aproveitado. Por quê? Em Colônia Horror existem elementos ligados ao fogo e, como todos sabemos, o fogo é quente. Até poderia acinzentá-lo, mas será que o preenchimento amarelo e vermelho, próprios do fogo, não tem algo a contribuir? Se não devemos contornar isso, vamos lucrar com isso.
No início da narrativa, a personagem principal está no porão de um navio, que será atingido por um incêndio. Esse espaço abaixo do convés e iluminado por fogo é uma perfeita alusão ao inferno. Então, levando em conta isso, e, para dar coerência à narrativa, o céu e o mar são repensados durante a elaboração da paleta de cores: as caravelas passam a estar localizadas num mar e por do sol bem avermelhados, eliminando neste quadro inicial o cinza que estava na arte conceitual. O vermelho deve tomar conta da tela, como uma carnificina a la Tarantino. Enquanto uma animação de zumbis isso parece funcionar. O cenário então passa a ser mais estimulante/vibrante, e menos sombrio.
Depois disso, esta cena foi desenhada no storyboard, sem cores, mas orientada pelo que a arte conceitual permitiu discurtir.
Daí se vê como uma pintura que teve vários elementos dela descartados foi importante para inspirar o stortyboard, o cenário final e para construir uma paleta para o filme.

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Um roteiro com zumbis no Brasil Colônia: de Mortos de Fome a Colônia Horror

Por Felipe Gaze


O que lemos aqui no blog da primeira parte do roteiro de Colônia Horror será, na tela, algo próximo a um minuto de filme, seguindo quase uma máxima da teoria de roteiro para o cinema clássico que equipara uma página de escrita para cada minuto de filme em tela. É evidente que, por mais que essa teoria, muito bem desenvolvida por Syd Field em seu famoso livro Manual do roteiro, ainda tenha muita validade, um roteirista não deve se preocupar excessivamente com a estrutura e nem colocar seu argumento a serviço da legitimação de um conceito, por mais adequado que seja. Falas, música, uma cena de ação, outra mais cadenciada, um cenário que exija, por algum motivo, um tempo a mais na tela, enfim, são fartos os elementos que irão determinar a duração de um filme. Decisões, no final, muito mais da direção do que propriamente da roteirização.
Colônia Horror será um filme basicamente sem diálogos, e as outras cinco páginas seguintes do roteiro (são seis, no total) seguem a composição básica da primeira: uma localização temporal e espacial e uma descrição sucinta da cena, sem nenhuma indicação de trilha sonora, câmera ou duração dos planos. Não foi premeditado equilibrar o roteiro com o tempo total do filme (algo em torno de pouco mais de cinco minutos), principalmente por entender que existem variações inevitáveis quando se aproveita uma teoria pensada para longas-metragens do cinema clássico hollywoodiano a um desenho animado de curta duração. Parece óbvio – e talvez seja – mas um bom roteiro começa por uma boa história. Cabe ao roteirista colocar a estrutura narrativa a serviço da trama, e não contrário.
A ideia de se produzir uma animação de terror vem de 2011, quando Wolmyr e eu tínhamos, por título, Mortos de Fome, nome que não foi só o primeiro, mas o que acompanhou o projeto durante alguns bons anos, até, pelo menos, o começo do desenrolar da produção do filme, quando já havia se concretizado o apoio das duas leis municipais de patrocínio: Lei Chico Prego, do município de Serra, e Lei Rubem Braga de Cachoeiro de Itapemirim. O que conseguimos nos primeiros tratamentos era uma trama que acreditamos corretamente estruturada, uma história interessante, mas ainda longe do roteiro na versão final para esta animação, num processo que rendeu inúmeras versões, ideias paralelas, como uma possível História em Quadrinhos (HQ), e uma Websérie, além de uma Antologia de Contos. Esta última transposta do campo da ideia para a prática, um projeto em andamento com o patrocínio da Lei Rubem Braga de Vitória, e que em breve ganhará data de lançamento.
Desde o início nos propusemos a escrever o roteiro a quatro mãos: discutíamos a ideia, por vezes pensávamos a história sequência a sequência e nos revezávamos na escrita, individualmente. A exceção veio no último tratamento, quando fizemos uma escrita conjunta. Ou melhor, no fechamento do último tratamento, quando faltava definir alguns pontos relevantes na história.
A alteração de Mortos de Fome para Colônia Horror vai além de um novo título que se adeque melhor à trama, trata-se de uma mudança de conceitos e, consequentemente, da própria história. Em Mortos de Fome a colonização portuguesa já estava em território brasileiro havia alguns anos, e padres jesuítas eram, talvez, figuras mais centrais à narrativa do que os indígenas. A opção por não explicar a origem da “zumbificação” sugeria ser ela uma causa interna, sem relação aparente com a invasão e exploração europeia, definitivamente algo que precisávamos corrigir.
Creio que houve avanços nesses e em outros pontos com Colônia Horror, passando por inserir a história num período pré-colonial final. A protagonista agora é uma mulher socialmente desfavorecida, forte, digna mesmo diante das atrocidades às quais é vítima. Trabalhamos uma função mais central para o índio, e a zumbificação se associa diretamente à chegada dos europeus, possivelmente a mais nevrálgica das mudanças. A “doença” não nasceu aqui, ela veio de fora.
Na visão de roteirista, porém, se questionado sobre o principal ponto que acho interessante levantar, no roteiro de Colônia Horror, respondo que é o de termos chegado a um material que traduz bem a história que desejamos contar. À parte qualquer crítica, a que obra nenhuma está imune, creio conseguimos escrever a um roteiro que representa corretamente o que pensamos e repensamos ao longo desses anos, uma resposta para quem está há tempos sentindo o odor de carne decomposta e lavando as mãos com o sangue podre dos zumbis.

quinta-feira, 12 de julho de 2018

O desafio do 3D em Colônia Horror

Por Felipe Gaze

O diretor e animador de Procurando Nemo Andrew Stanton disse, no documentário Making Nemo, que na tentativa da equipe de animadores em criar um resultado realista, uma animação que convencesse o público que aquilo se passava no fundo de um oceano, acabou por ir além do ponto criando um produto “real demais”. Dizia ele, “queremos que você acredite que isso existe, mas que também pareça um mundo de faz de conta".
Guardada as devidas proporções, o desafio que Procurando Nemo tinha em equilibrar uma animação autêntica, realista, mas sem deixar de lembrar ao público que ali estava um universo de fantasia, é o mesmo que enfrentamos no uso do 3D em Colônia Horror e, talvez, em qualquer filme animado, seja a técnica que for.
De semelhança com o filme de Stanton, Colônia Horror tem muita água para ser animada, algo inevitável quando lembramos que a trama faz menção direta à expedição secreta do Capitão Duarte Pacheco Pereira, que em 1498 supostamente chegou a terras hoje pertencentes ao território brasileiro. De diferença tem como é pensado o uso da animação 3D. Enquanto o filme da Pixar foi todo animado nesse formato (3D), em Colônia Horror essa ferramenta é usada como um suporte à animação principal 2D. Elementos tais como o fogo, a explosão, a fumaça, o mastro da caravela que se parte, o oceano e o vaso em queda foram modelados e animados em 3D e, daí, exportados para a animação base 2D.
A opção pelo 3D passa, num primeiro momento, por uma questão técnica. Reproduzir esses elementos de cenário em um software 2D, além de muito mais trabalhoso, não chegaria a um resultado equivalente ao que se consegue com um programa desenvolvido para atender mais de perto a essas demandas. Decidimos, então, utilizar o Blender, uma escolha quase automática. Software de código aberto, gratuito e com uma interface e ferramentas que em nada devem as de outros programas pagos e mais conceituados, o Blender é cada vez mais utilizado no desenvolvimento dos games, das animações, além de aplicado profissionalmente na arquitetura e até no design industrial. Depois de um contato despretensioso, ainda há alguns anos, com o programa, Colônia Horror vem como o primeiro projeto audiovisual para valer que me dá a oportunidade de um trabalho de animador 3D.
É quando chegamos a outra questão envolvida no 3D, que é a escolha estética. Para um oceano modelado e animado no Blender, por exemplo, se consegue alcançar muito bem um movimento realista, uma sensação de profundidade e um trabalho de textura e brilho exigido a um filme de terror. O vaso pode ser rotacionado sem perder seu padrão de sombra e iluminação, e o mastro cai como se realmente tivesse uma força gravitacional o empurrando para baixo. Um software desse tipo funciona como uma maquete real, onde você posiciona um objeto modelado digitalmente num espaço tridimensional, faz uma malha, aplica uma textura, mexe com a posição da luz, define seu modelo, cor, intensidade etc.. São ferramentas que permitem dar àquele objeto da animação uma particularidade que o destaca do restante da cena, o que talvez seja uma das qualidades mais preciosa de uma boa animação, ou seja, não animar realisticamente tudo e qualquer elemento da cena ao mesmo tempo, como uma tentativa de reprodução fiel do mundo real, mas focar naquilo que você quer chamar a atenção do espectador e que se julga mais relevante à sequência.
Tem-se aqui o principal desafio do 3D em Colônia Horror, que é equacionar uma animação realística com o estilo tradicional dos cenários feitos em bitmap e a animação 2D vetorial dos personagens. Há certa tentação em produzir modelos 3D os mais realistas possíveis. São realmente bonitos, uma imagética que às vezes impressiona, além de menos exigentes do ponto de vista artístico. Mas isso não é garantia para um bom diálogo com o 2D, ao contrário, o trabalho com o Colônia Horror mostra que os melhores resultados vêm quando não se exagera nas “doses de realidade”.
Não é tão difícil encontrar e seguir um excelente tutorial (e, felizmente, eles abundam na internet) para se modelar um mar com ondas e textura muito próximas ao real, mas não é tarefa simples manter esse mar dentro dos limites da paleta de cores da cena. No 3D não basta copiar para o objeto a especificação da cor. Há todo um trabalho, como já mencionado, de se ponderar a iluminação do ambiente, da luz direta, além dos parâmetros físicos do objeto.

A experiência em animação, como o Procurando Nemo, de Andrew Stanton, mostra que dar alguns passos atrás na técnica – caso se possa colocar assim, pois surgem aí outros tipos de dificuldades, as dificuldades artísticas, certamente mais desafiadoras – será talvz a chave para se garantir a ilusão do mundo do faz de conta, um filme que ofereça mais espaço ao sentido criativo do artista e potencialize sua representação cultural.

Imagens do Storyboard de Leo Rangel para Colônia Horror!

Algumas imagens do Storyboard de Leo Rangel para Colônia Horror. Spoilers à vista Cuidado!







Arte Conceitual de Francielli Noya para Colônia Horror!

Em desenhos animados, a Arte Conceitual é muito importante, pois ajuda a definir o estilo do traço, e até sugere o tipo de animação. Algumas imagens da Arte Conceitual de Francielli Noya:




Teaser Trailer!

Primeiro trailer de Colônia Horror!

Venha navegar no blog de Colônia Horror!

Bem-vindo(a) ao blog de divulgação do curta-metragem de animação Colônia Horror, atualmente em produção.
Colônia Horror será o primeiro desenho animado capixaba com temática de terror. Foi pensado como parte de um universo compartilhado mais amplo, de História Alternativa, em que se imagina: como seria o Brasil se, logo no começo de sua colonização, ou ainda antes dela, algo mais tivesse aportado aqui, oriundo das caravelas? E se os porões dos navios tivessem mais que restos de comidas e ratos? E se um horror maior se escondesse ali? E se...
Além do curta, um livro com quatro contos passados no universo de Colônia Horror está atualmente sendo produzido. Mais informações em breve.
Neste blog vamos falar um pouco mais disso tudo, mas, por ora, este post se encerra aqui, enquanto as caravelas singram (ou sangram) os mares. Porém, não podemos esquecer dos nossos patrocinadores.
Colônia Horror tem patrocínio de duas leis municipais de incentivo à cultura: Chico Prego, da prefeitura da Serra, ES, e Rubem Braga, da prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim, ES. O curta também conta com o apoio da empresa Arcelor Mittal.
Até breve!
Equipe de Produção.